Remissão: o objetivo no tratamento das doenças crônicas

Priscila Torres
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Doenças inflamatórias intestinais exemplificam a importância da remissão clínica e endoscópica como objetivo terapêutico para devolver qualidade de vida aos pacientes.

No enfrentamento das doenças crônicas, alcançar a remissão tornou-se o grande objetivo dos tratamentos. O termo não significa cura definitiva, mas sim controle da doença, permitindo que pacientes voltem a ter qualidade de vida. Esse conceito é cada vez mais valorizado em condições como as doenças inflamatórias intestinais (DIIs) que afetam milhares de brasileiros.

A remissão é o momento em que não há atividade da doença detectável, ou seja, quando a inflamação intestinal está controlada. As principais características da remissão são:

  • Ausência de sintomas intestinais (diarreia, dor abdominal, sangramento ou urgência evacuatória);
  • Marcadores inflamatórios normais em exames laboratoriais (como proteína C-reativa e calprotectina fecal);
  • Cicatrização da mucosa intestinal observada em exames endoscópicos;
  • Avaliação clínica do especialista indicando inatividade da doença.

Remissão endoscópica: a cicatrização da mucosa

A remissão endoscópica vai além da melhora dos sintomas e busca a cicatrização das lesões vistas em exames como a colonoscopia. Quando a mucosa intestinal aparece saudável, sem sinais de inflamação, significa que o tratamento conseguiu controlar a atividade inflamatória em nível interno. Pacientes que atingem esse estágio apresentam menor risco de complicações, hospitalizações e necessidade de cirurgias.

“A meta hoje não é apenas o paciente relatar melhora, mas termos evidência objetiva de que a inflamação está controlada. A remissão endoscópica representa mais segurança e menos risco de complicações no futuro”, explica a gastroenterologista Dra. Bruna Meyer.

Remissão histológica ganha espaço como novo parâmetro em doenças inflamatórias intestinais

A remissão histológica tem se consolidado como um importante marcador nas doenças inflamatórias intestinais (DII’s), especialmente na Retocolite Ulcerativa (RCU). O termo se refere à ausência de inflamação ativa nas biópsias da mucosa intestinal avaliadas ao microscópio, indo além da melhora clínica e da cicatrização visível à colonoscopia.

Estudos recentes reforçam que pacientes com RCU em remissão histológica apresentam menor risco de recaída, mesmo quando já alcançaram remissão clínica e endoscópica. Uma meta-análise publicada em 2024 apontou que a presença de inflamação microscópica residual aumenta em até duas vezes a chance de recorrência da doença, enquanto a remissão histológica está associada a uma redução relativa de risco de 61% para recaídas

Na prática, diretrizes recentes recomendam que sejam colhidas pelo menos duas biópsias de cada segmento do cólon e do íleo terminal para reduzir erros de amostragem e permitir uma avaliação mais precisa (Pavel et al., 2024). Diversos índices histológicos validados podem ser utilizados, como o Geboes Score, o Robarts Histopathology Index e o Nancy Index, todos capazes de quantificar a atividade inflamatória de forma reprodutível.

Embora na doença de Crohn o uso da histologia como meta terapêutica ainda seja limitado pela natureza segmentar e transmural da inflamação, na RCU o parâmetro já desponta como ferramenta adicional de estratificação prognóstica. O consenso Ásia-Pacífico de 2025 destacou que a combinação entre remissão endoscópica e histológica oferece maior valor preditivo de desfechos positivos do que a avaliação endoscópica isolada.

Remissão não é cura

É importante reforçar que, mesmo quando o paciente atinge a remissão, isso não significa cura definitiva. Ao longo dos anos, pode haver reativações da doença, conhecidas como crises ou surtos. Mesmo em casos estáveis, com boa qualidade de vida e uso de doses menores de medicamentos, a DII pode voltar a se manifestar em algum momento. Quando isso acontece, é necessário reavaliar o tratamento, ajustar as terapias e buscar novamente o controle da inflamação até alcançar uma nova remissão.

Embora fatores genéticos e imunológicos influenciem na gravidade da DII e na resposta ao tratamento, algumas atitudes são fundamentais:

  • Diagnóstico precoce – Procurar atendimento especializado logo no início dos sintomas aumenta as chances de controlar a inflamação antes que cause complicações.
  • Acompanhamento com especialista – Ter um gastroenterologista de confiança e manter consultas regulares é essencial para ajustar condutas ao longo do tempo.
  • Uso correto dos medicamentos – Seguir o tratamento sem interrupções garante o controle da inflamação e evita falhas terapêuticas.
  • Estilo de vida saudável – Alimentação equilibrada, prática de atividade física adaptada, controle do estresse e acompanhamento psicológico fortalecem o tratamento.

Avanços nos tratamentos

O desenvolvimento de terapias modernas, como medicamentos imunobiológicos e pequenas moléculas, ampliou as chances de pacientes com DII alcançarem tanto a remissão clínica quanto a endoscópica. Hoje, a meta não é apenas reduzir sintomas, mas controlar a inflamação intestinal, prevenindo sequelas irreversíveis e melhorando a qualidade de vida.

Apesar dos avanços, os desafios permanecem no Brasil. O diagnóstico tardio, a desigualdade de acesso aos serviços especializados e a dificuldade de manter fornecimento contínuo de medicamentos pelo SUS e pelos planos de saúde ainda impedem que muitos pacientes alcancem a remissão.

Uma das lideranças da ALEMDII (Associação do Leste Mineiro de Doenças Inflamatórias Intestinais), Julia Assis, explica que o acesso oportuno a terapias inovadoras é fundamental para que pacientes com Doenças Inflamatórias Intestinais alcancem a remissão clínica e endoscópica. “Eu mesma só conquistei a remissão recentemente, com o uso de um tratamento imunobiológico. Mas ainda convivo com sequelas da Doença de Crohn, resultado de anos em que essas opções não estavam disponíveis”, declarou.

Julia Assis ainda reforça que “essa experiência pessoal reforça a urgência da nossa luta: a demora em disponibilizar tratamentos significa sequelas irreversíveis, maior número de internações e custos adicionais para o SUS e planos de saúde. Por isso, defendemos que a remissão seja tratada como meta de saúde pública, com incorporação célere de tecnologias e garantia de fornecimento contínuo para todos os pacientes”.

Mais do que um objetivo individual, a remissão também deve ser vista como meta de saúde pública. Pacientes em remissão reduzem a necessidade de internações, diminuem custos hospitalares e mantêm sua produtividade, o que impacta positivamente a sociedade e o sistema de saúde.

Nos últimos dez anos, em 170 mil internações no Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com um levantamento da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), com base no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde. Esses dados mostram ainda um crescimento de 61% nas internações em 2024 (23.825), na comparação com 2015 (14.782).

As principais formas de doenças inflamatórias intestinais são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Trata-se de condições crônicas para as quais ainda não há uma cura definitiva e podem acometer pessoas de todas as idades, mas são muito comuns em adultos jovens, que estão em uma fase produtiva da vida.

As DIIs exigem um diagnóstico e um acompanhamento médico contínuos, mas existem várias necessidades significativas que não são atendidas no manejo do quadro. O diagnóstico precoce e preciso pode ser mais difícil, pois os sintomas se sobrepõem a outras condições gastrointestinais e as ferramentas de diagnóstico atuais (endoscopia, imagens ou biomarcadores) nem sempre fornecem uma imagem clara nas fases iniciais ou em pacientes com doença leve.  

Referências

https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/doencas-inflamatorias-intestinais-tratamento-controla-os-sintomas-e-melhora-a-vida-do-paciente

https://portaldacoloproctologia.com.br/

PAI, R. K.; MA, C.; PANACCIONE, R. et al. Histological remission in ulcerative colitis: evidence, indices, and implications for clinical practice. Alimentary Pharmacology & Therapeutics, v. 59, n. 5, p. 459–473, 2024.

MAO, R.; NG, S. C.; AN, P. et al. Asia–Pacific consensus on histological and endoscopic remission in inflammatory bowel disease. Inflammatory Bowel Diseases, v. 31, n. 1, p. 56–67, 2025.

Cris Cirino- Grupar

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