Biored Explica como acontece o processo de incorporação de medicamentos no Brasil

Priscila Torres
14 Leitura mínima

Toda sexta-feira a nova série do Biored Explica traz matérias sobre o cenário dos medicamentos no Brasil.

Registro pela Anvisa – o primeiro passo

Para que um novo medicamento possa ser utilizado no país, ele precisa primeiramente do registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por garantir a segurança, eficácia e qualidade dos produtos de saúde. A Anvisa avalia os dados de eficácia e segurança do produto e, se aprovado, autoriza sua comercialização.

Quanto tempo leva?

O prazo médio para análise de um pedido de registro de medicamento novo é de 12 a 18 meses, podendo variar conforme a complexidade do produto e a documentação apresentada.

Entretanto, existem procedimentos mais rápidos para casos prioritários, como medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras, graves ou negligenciadas, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 204/2017, que trata da análise prioritária. Nessas situações, o prazo de análise pode ser reduzido para até 120 dias úteis.

Esse processo é chamado de registro sanitário e está previsto na Lei nº 6.360/1976, regulamentada pelo Decreto nº 8.077/2013. A empresa fabricante deve apresentar estudos clínicos que comprovem que o medicamento realmente funciona e é seguro para os pacientes.

Definição de preço e venda

Após o registro, o próximo passo é a definição do preço máximo de venda, feita pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), com base em critérios como inovação, comparação com medicamentos já existentes e valor internacional.

Somente após essa etapa, o medicamento pode:

  • Ser vendido nas farmácias,
  • Ser receitado legalmente pelos médicos,
  • Estar disponível para compra pela população geral.

Mas atenção: Registro não significa fornecimento garantido pelo SUS ou planos de saúde

É importante saber que o registro na Anvisa não garante que o medicamento será fornecido pelo SUS e nem reembolsado pelos planos de saúde. O registro apenas autoriza a venda e o uso do produto no Brasil.

Para que um medicamento passe a ser distribuído pelo SUS, ele precisa ser avaliado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Já no caso dos planos de saúde privados, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é quem decide sobre a inclusão de medicamentos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

Esses processos avaliam se o medicamento oferece um bom custo-benefício, se realmente melhora a saúde dos pacientes e qual o impacto financeiro para o sistema de saúde.

Avaliação da Conitec: o caminho do medicamento até o SUS

O que faz a Conitec?

A Conitec é um órgão colegiado do Ministério da Saúde, criado pela Lei nº 12.401/2011 e regulamentado pelo Decreto nº 7.646/2011, com estrutura definida pela Portaria GM/MS nº 2.587/2023. 

A Comissão, gerenciada pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde – DGITS, tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde – MS nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica. 

Ela é responsável por assessorar o Ministério da Saúde na incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde no SUS, incluindo medicamentos, exames, dispositivos médicos, tratamentos e protocolos clínicos.

Quem compõe a Conitec?

A Conitec é composta por três Comitês e sua Secretaria-Executiva, exercida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde – DGITS/SECTICS/MS, que a subsidia técnica e administrativamente.

Cada Comitê é composto por 15 (quinze) instituições, com ampla representação na saúde pública brasileira, que possuem direito a voto e estão elencados nos incisos I a IX do art. 7º do Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011. O 16º membro será inserido em novembro de 2025 e estará representado por um representante rotativo de uma organização da sociedade civil (OSC). 

O que a Conitec avalia?

Durante a avaliação, a Conitec analisa diversos critérios para decidir se uma tecnologia deve ou não ser incorporada ao SUS:

  • Efetividade: se funciona de fato para a condição proposta
  • Segurança: se oferece riscos aceitáveis
  • Custo-efetividade: se o benefício compensa o investimento
  • Impacto orçamentário: se o SUS pode sustentar a nova tecnologia
  • Aspectos sociais, éticos e legais

Participação da sociedade:

Consulta pública e audiência pública

Após a elaboração do relatório técnico preliminar, a recomendação da Conitec é publicada para consulta pública, com duração mínima de 20 dias corridos.

Qualquer pessoa pode participar: pacientes, familiares, profissionais de saúde, pesquisadores, entidades e cidadãos. As contribuições recebidas são analisadas pela equipe técnica da Conitec e incorporadas ao relatório final, que será novamente deliberado em plenária.

Audiência Pública:

Caso a recomendação da Conitec seja contrária à incorporação da tecnologia, a sociedade civil pode solicitar uma audiência pública, conforme previsto no art. 21, §3º do Decreto nº 7.646/2011. Essa audiência tem o objetivo de ampliar o debate antes da decisão final do Ministério da Saúde.

E se a tecnologia for aprovada?

Se o parecer final for favorável, o Ministério da Saúde publica uma Portaria de Incorporação.

Na sequência, a Conitec elabora ou atualiza o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), definindo:

  • Quando e para quem a tecnologia será indicada
  • Como deve ser utilizada no SUS
  • Critérios de inclusão, acompanhamento e descontinuação
  • Somente após a publicação do PCDT atualizado, a tecnologia passa a ser disponibilizada gratuitamente pelo SUS.

E se a incorporação for negada?

Se a recomendação final for negativa e o Ministério da Saúde mantiver essa decisão, o medicamento ou produto não será oferecido pelo SUS.

Nesses casos, o acesso se limita à rede privada (farmácias e hospitais particulares). Em situações específicas, ainda é possível recorrer à judicialização, com apoio de defensorias públicas, desde que haja prescrição médica e justificativa técnica.

Etapas e prazos legais previstos para a  Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) pela Conitec 

Todas as avaliações seguem um processo técnico e participativo com etapas bem definidas e prazos legais estabelecidos por normas como a Lei nº 12.401/2011 e o Decreto nº 7.646/2011. Veja a seguir um resumo dessas etapas:

Envio da proposta:

O processo tem fluxo contínuo e pode ser iniciado a qualquer momento por pessoas físicas ou jurídicas que desejem propor a incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias no SUS.

Triagem inicial:

A proposta é analisada para verificar se está completa e atende aos requisitos mínimos.

Prazo estimado: até 15 dias úteis.

Análise técnica e elaboração do relatório preliminar:

A equipe da Conitec avalia evidências científicas sobre segurança, eficácia, custo-efetividade, impacto orçamentário e aspectos éticos.

Prazo legal: até 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, se necessário.

Deliberação da recomendação preliminar:

O relatório é apresentado em reunião plenária da Conitec, onde os membros deliberam sobre uma recomendação inicial (favorável ou contrária à incorporação).

Consulta Pública:

A recomendação preliminar é disponibilizada para participação da sociedade por meio de Consulta Pública.

Prazo legal: 20 dias corridos.

Análise das contribuições e elaboração do relatório final:

As manifestações da consulta pública são analisadas tecnicamente e incorporadas ao relatório final.

Prazo estimado: de 30 a 60 dias, dependendo do volume e complexidade das contribuições.

Nova deliberação e recomendação final:

O plenário da Conitec delibera novamente, agora com base no relatório final, para emitir a recomendação definitiva.

Decisão do Ministério da Saúde:

Com base na recomendação da Conitec, o Ministério da Saúde toma a decisão final sobre a incorporação da tecnologia.

Prazo total legal para decisão final: até 180 dias (prorrogáveis por mais 90 dias, conforme justificativa).

Atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT):

Se a incorporação for aprovada, o PCDT da doença relacionada é criado ou atualizado para definir os critérios de uso no SUS.

Prazo estimado: até 180 dias após a publicação da portaria de incorporação.

Avaliação da Cosaúde: o caminho do medicamento até os planos de saúde privados

No setor da saúde suplementar (planos de saúde privados), o processo para que um medicamento seja obrigatoriamente coberto pelos convênios médicos é conduzido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A ANS é responsável por manter o chamado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que é a lista de tratamentos, exames, cirurgias, medicamentos e outras terapias que todos os planos de saúde regulados devem oferecer aos seus beneficiários.

Como funciona a incorporação de medicamentos?

Para que um novo medicamento seja incluído no Rol, ele precisa passar por um processo técnico e participativo de avaliação. Esse processo é coordenado pela Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Cosaúde).

A Cosaúde é um colegiado instituído pela Resolução Normativa ANS nº 470/2021, e é composta por representantes da sociedade civil, operadoras de saúde, profissionais da área, prestadores de serviços e órgãos de defesa do consumidor.

Etapas do processo:

  • Submissão da proposta de incorporação de um novo medicamento.
  • Análise técnica e científica: são consideradas evidências clínicas, custo-efetividade, impacto orçamentário, entre outros critérios.
  • A Cosaúde elabora um Relatório Preliminar com a recomendação inicial.
  • Consulta Pública: o relatório é disponibilizado e a sociedade pode participar enviando contribuições por um período de 20 dias.
  • A comissão avalia as contribuições e emite o Relatório Final.
  • A Diretoria Colegiada (DICOL) da ANS analisa o relatório final e toma a decisão definitiva.

Em caso de aprovação, a ANS publica uma Resolução Normativa, e o medicamento passa a ser de cobertura obrigatória por todos os planos de saúde para a indicação aprovada.

Conitec e ANS: decisões integradas, mas não automáticas

Segundo o Decreto nº 10.530/2020, alterado pelo Decreto nº 10.651/2021, a ANS deve considerar as decisões de incorporação de medicamentos feitas pela Conitec (do SUS) ao revisar o Rol da saúde suplementar.

Porém, essa incorporação não é automática. A ANS realiza uma avaliação própria, considerando as especificidades do setor privado.

E se o medicamento não for incluído no Rol?

Mesmo que um medicamento não esteja no Rol da ANS, ele pode ser garantido judicialmente, se houver indicação médica fundamentada e ausência de alternativa terapêutica. As decisões judiciais têm reconhecido que a lista da ANS é referência mínima, e não absoluta.

Resumo das principais leis e normas citadas

ANVISA: 

  • Lei nº 6.360/1976 – Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos.
  • Decreto nº 8.077/2013 – Regulamenta o registro sanitário.
  • RDC Anvisa nº 204/2017 – Estabelece critérios para análise prioritária de medicamentos.

CONITEC:

  • Lei nº 12.401/2011 – Altera a Lei Orgânica da Saúde para incluir a obrigatoriedade da avaliação de tecnologias em saúde no SUS.
  • Decreto nº 7.646/2011 – Regulamenta a atuação da Conitec e o processo de incorporação de tecnologias ao SUS.
  • Portaria GM/MS nº 2.587/2023 – Estabelece o novo regimento interno da Conitec.

SAÚDE SUPLEMENTAR/ANS:

  • Lei nº 9.656/1998 – Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
  • Lei nº 14.307/2022 – Estabelece a atualização contínua do Rol de Procedimentos e amplia critérios de incorporação.
  • Resolução Normativa ANS nº 470/2021 – Institui a Cosaúde e regulamenta o processo de atualização do Rol.
  • Decreto nº 10.530/2020, alterado pelo Decreto nº 10.651/2021 – Determina que a ANS considere as incorporações feitas pelo SUS (via Conitec).
  • Resoluções Normativas específicas da ANS – Publicadas a cada nova atualização do Rol.

Fique de olho na próxima edição do dia 15/08/2025

Cris Cirino.


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