Cientistas investigam a ligação genética entre dores crônicas, enxaquecas e TDAH

Priscila Torres
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Estudo brasileiro mostra que o TDAH e a dor compartilham origens genéticas e traços cerebrais em comum.

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é uma condição psiquiátrica caracterizada principalmente por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Nos últimos anos, vem ganhando atenção na esfera pública, principalmente na mídia, por conta de seu impacto social e de saúde pública. Pacientes com TDAH podem apresentar diversas comorbidades, tanto psiquiátricas como não psiquiátricas.

Sabe-se que as enxaquecas e dores crônicas são mais prevalentes em indivíduos com TDAH do que na população geral. Essas queixas não são incomuns entre os pacientes, o que vem chamando a atenção da comunidade médica e científica.

Um estudo recente conduzido por mim e liderado pelo professor Diego Luiz Rovaris, da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com os Departamentos de Genética e de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), investigou a relação biológica entre essas condições.

Utilizando técnicas de varredura no genoma humano, exploramos a sobreposição genética do TDAH com enxaquecas e dores crônicas, e os resultados se mostraram surpreendentes.

Verificamos que, entre as milhares de variantes genéticas associadas às dores crônicas, aproximadamente 87% são compartilhadas com o TDAH, uma porcentagem bastante expressiva. Em relação às enxaquecas, o grau de sobreposição foi menor, cerca de 50%, mas ainda figura com um número significativo. 

Esses achados indicam que a variabilidade no nosso DNA que modula essas condições também modula o TDAH.Este é um conceito conhecido como pleiotropia, segundo o qual uma variante no DNA pode afetar mais de uma característica ou doença simultaneamente.

smiuçando os resultados, identificamos 12 regiões no DNA que contribuem substancialmente para a correlação entre TDAH e dores crônicas, e uma para a correlação entre TDAH e enxaquecas.

Ao analisar essas regiões,E destacaram-se genes envolvidos em processos de formação e desenvolvimento cerebral.

Em se tratando de TDAH, um transtorno entendido classicamente como do neurodesenvolvimento, tais resultados eram esperados, no entanto, as dores crônicas são mais tipicamente associadas a processos inflamatórios, traumas e estilo de vida.

Nicolas Pereira Ciochetti é biomédico formado pela Universidade de São Paulo (USP), onde atualmente realiza doutorado direto em Biologia Funcional e Molecular com bolsa da FAPESP.

Este achado sugere uma forma complementar de conceitualizar as dores, como tendo uma parte importante de sua origem no desenvolvimento do sistema nervoso, além de mostrar que dor e TDAH têm raízes biológicas comuns. Dessa forma, esses resultados podem ter grande relevância para a clínica médica ao oferecer uma visão mais abrangente na identificação dessas condições em comorbidade.

Ainda, em uma amostra de 1660 indivíduos com e sem TDAH coletada no Brasil, calculamos o risco genético para enxaquecas e dores crônicas, também conhecido como escore de risco poligênico (PRS). É uma medida que pondera pelo seu efeito e soma todas as variantes genéticas de um indivíduo, e por isso é muito usada para resumir o grau de risco genético que uma pessoa tem para uma determinada característica ou doença.

Verificamos que o risco genético para dores crônicas foi associado à gravidade do TDAH, ou seja, a maior impulsividade e hiperatividade. Não apenas isso, utilizando dados de neuroimagem, vimos que, quanto maior for o risco genético para dores crônicas, mais o cérebro dos indivíduos se assemelhava a um “cérebro de TDAH”.

No entanto, muitas pessoas confundem correlações com causalidade. Para tanto, empregamos uma técnica específica para avaliar causalidade chamada randomização mendeliana, que mostrou que a influência de variantes genéticas associadas ao TDAH pode ser causal para dores crônicas e vice-versa, embora não tenhamos verificado os mesmos resultados em relação às enxaquecas. Isso só reforça o quanto olhar para essas condições em conjunto pode ser importante na prática clínica.

No momento, procuramos indivíduos do sexo masculino, uma vez que já tivemos a participação significativa de mulheres. Além disso, procuramos pessoas que não apresentam sintomas de TDAH para compor o grupo de comparação, igualmente essencial. Interessados de São Paulo e região metropolitana devem entrar em contato pelo e-mail tdahbrasil@usp.br, e os de Porto Alegre e região metropolitana pelo e-mail tdahbrasil@ufrgs.br.

O trabalho aqui citado teve como apoio financeiro o National Institute of Mental Health (NIMH), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fonte: R7 Ciência para o Dia a Dia


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