ARTIGO: O papel das mulheres negras no controle social do SUS e na luta pela legitimação da Saúde da População Negra

Por Maria da Conceição Silva¹, Ana Lúcia Marçal da Silva Paduello² e Altamira Simões do Santos³ – conselheiras nacionais de Saúde

O dia 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, é uma data importante para a população negra de África e sua Diáspora em qualquer parte do mundo. O Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1966, em memória ao “Massacre de Shaperville”. Neste dia, no ano de 1960, na África do Sul, 20 mil negros protestavam contra a “lei do passe”, em Joanesburgo. Esta lei obrigava a população a andar com identificação e limitava os espaços de circulação na cidade. A manifestação era pacífica, mas tropas militares do Apartheid atiraram contra a multidão e mataram 69 pessoas e 186 ficaram feridas.

Em homenagem à luta e memória desses manifestantes, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, é uma data que as pessoas negras afirmam a sua luta contra o racismo. Março também é o mês em que as mulheres comemoram seu Dia Internacional, fruto também da revolta das mulheres contra as péssimas condições de trabalho, em Nova Iorque, e foram queimadas.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem cada vez mais ampliando a participação das mulheres negras e firmando compromissos na luta contra o racismo, o machismo, misoginia e lgbtfobias.

Aqui está relatada a centralidade histórica e política da luta das mulheres negras na saúde pública e coletiva, suas contribuições na formulação e aprovação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), no CNS, em 2006. A presença das conselheiras Fernanda Lopes e Jurema Werneck, representantes da Articulação de Mulheres Negras (AMNB) e Maria José Pereira dos Santos, da Coordenação Nacional de Entidade Negras (Conen) impulsionaram debate sobre os temas raça, racismo e saúde da população negra no CNS.

Para além da esfera de participação no controle social na saúde, a partir de grande movimentação das entidades do movimento negro, foi criada a demarcação para o 27 de Outubro, como “Dia Nacional Pró-Mobilização da Saúde da População Negra”, em 2006, que mais tarde também viria a se tornar o Dia Nacional de Luta pelos Direitos da Pessoa com Doença Falciforme, Lei nº 12.104 de 1º de Dezembro de 2009.

Compreensão histórica da incidência das mulheres negras no CNS

Outro passo importante foi a criação da Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra (CISPN) no CNS, através pela Resolução nº 395 de fevereiro de 2008 tendo o objetivo de: fornecer subsídios efetivos ao Conselho Nacional de Saúde na temática da população negra; Acompanhar a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra/PNSIPN; Contribuir com os demais colegiados do controle social no monitoramento das ações e recursos destinados a essa população. (CNS, 2008). Tendo como coordenadora Ubiraci Matildes da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro); e coordenadora-adjunta, Simone Vieira da Cruz, da Articulação de Mulheres Negras Brasileira (AMNB). Neste mesmo ano, a PNSIPN foi pactuada na Comissão Intergestora Tripartite (CIT), que aprovou o primeiro plano operativo da política.

O ano de 2009 é marcado pela publicação Política Nacional de Saúde da População Negra, através da Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, pelo Ministério da Saúde. A PNSIPN tem uma marca do Reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde. (BRASIL, 2017).

O Estatuto da Igualdade Racial promulgado pela Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, em seu Título II – Dos Direitos Fundamentais – Capítulo I – Do Direito à Saúde – Art. 6º Art. 6º O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos. § 1º O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, da administração direta e indireta. Ao legitimar a PNSIPN, o Estatuto da Igualdade Racial cumpre um importante papel no ordenamento legal das políticas públicas para que estados municípios, implantem e implementem as ações e serviços de atenção à saúde da população negra, previstas na lei. (BRASIL, 2010).

Na luta pela implementação da política de atenção às pessoas com doença, pelos usuários, destacamos o papel da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal). A conselheira Maria Zenó Soares trouxe para o CNS a discussão sobre o impacto da doença falciforme na população negra brasileira e a importância da luta de familiares e pessoas com doença falciforme, para garantia de acesso aos serviços e tratamentos de acordo com a complexidade clínica da doença, em todas as fases de vida das pessoas.

A Resolução nº 513 de maio de 2016, cria a Comissão Intersetorial de Políticas de Promoção da Equidade (Cippe) e passa acompanhar as políticas de promoção da equidade em saúde: políticas de saúde para população negra, LGBTQIA+, população em situação de rua, campo, floresta e águas, povos e comunidades tradicionais e população.

As conselheiras Heliana Hemetério, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), Emanuelle Goes e, posteriormente, Sônia Pinheiro, da Rede Lai Lai Apejo, Jupiara Castro, da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra), travam um debate importante no CNS que sobre a saúde da mulher negra e a redução da violência doméstica. Este momento é crucial para saúde pública pois a Emenda Constitucional 95/2016, que congela teto de gastos e o golpe de impacta negativamente no avanço da implementação das politicas do Sistema Único de Saúde (SUS) e, consequentemente, as politicas de promoção de equidade em saúde.

No ano de 2017, presenciamos a instituição da obrigatoriedade e padronização da coleta da raça/cor no SUS nos sistemas de informação da saúde pública brasileira, conforme a Portaria nº 344, de fevereiro de 2017, do Ministério da Saúde. Uma resposta às lutas pela coleta de dados, de acordo com as categorias dispostas no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A gestão 2018-2021 do CNS teve na sua composição as conselheiras Jupiara Castro, da Fasubra; Altamira Simões, da Rede Lai Lai Apejo – Saúde da População Negra e Aids; Michele Seixas da Associação Brasileira de Lésbicas (ABL), Maria da Conceição Silva, da Unegro; e Ana Lúcia Marçal da Silva Paduello, da Associação Brasileira Superando – Lúpus, Doenças Reumáticas e Raras com participações ativas na preparação da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8 +8), realizada em agosto de 2019.

O ano de 2020 e 2021 foi marcado pela pandemia da Covid-19. As atividades do CNS passaram a ocorrer em modo remoto e a Cippe estrutura a “Ocupação Preta” a partir de lives, debates e incursões sobre o desmonte das políticas de promoção da equidade, mostrando o quanto isto foi prejudicial à saúde da população negra, que engrossa o obituário e adoecimento pela Covid-19.

Neste contexto, a Recomendação CNS nº 29/2020, de combate ao racismo institucional, demandou ações relativas ao combate ao racismo institucional nos serviços de saúde no contexto da pandemia da covid-19.

Em dezembro de 2021, o CNS realizou eleições e, pela primeira vez, duas mulheres negras foram eleitas para compor a Mesa Diretora no triênio 2021-2024. Em pauta: a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, com data prevista para novembro de 2022, a 17ª Conferência Nacional de Saúde, prevista para 2023, e a retomada da preparação para a realização de 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena.

Retrocessos na implementação da Política Nacional de Saúde da População Negra

Apesar dos avanços para o combate ao racismo institucional na saúde para promoção da equidade, a política de saúde da população negra caminha a passos lentos para a sua implantação e implementação. Dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 57 instituíram a política, conforme aponta uma reportagem de O Globo em 2019. As recentes mudanças no Ministério da Saúde evidenciam a não priorização da atenção à saúde da população negra. O Decreto Presidencial nº 9.759/2019, extingue o Comitê Técnico de Saúde da População Negra e os demais conselhos, fóruns e comitês de participação social. O Comitê exercia um papel importante no monitoramento e execução da política no país.

No CNS, um dos desafios é manter a pauta antirracista em destaque, numa c apontar as consequências do racismo gera desconforto nos grupos hegemônicos que definem as políticas públicas no Brasil. Por outro lado, é importante destacar o apoio da Mesa Diretora, gestão 2018/2021 e 2021/2024, que tem apoiado e provocado ações que evidenciam a luta contra o preconceito racial.

Não há democracia se a população negra não for protagonista da luta, mas sobretudo de políticas que tenham como princípios a Equidade como estratégia de reparação e de acesso a políticas de inclusão, levando em consideração a especificidade desta população.

Seguiremos em luta, considerando a crescente mobilização e organização dos movimentos negros, mesmo por meio virtual, as denúncias e exigências ao Estado brasileiro no cumprimento da política, na coleta de dados com recorte de raça, gênero e etnia em função da pandemia, que só explicita a desigualdade e o racismo no elevado número de morte e adoecimento da população em função da pandemia da Covid-19. Assim como no passado, desde o sequestro da população negra de África para o trabalho escravo nas Américas, as mulheres negras seguem o caminho herdados dos nosso ancestrais e antepassados, seguem a estrada se organizando e lutando pelas melhores condições de vida, de saúde e preparando gerações para a luta. Um controle social, forte e ativo tem que ter a presença negra da maioria da população brasileira.

¹Maria da Conceição Silva é conselheira nacional de saúde, componente da Mesa Diretora – Triênio 2021-2024. Secretária Nacional de Saúde da Unegro. É Graduada em Ciências Biológicas e Especialista em Saúde Coletiva com Ênfase na Estratégia de Saúde da Família pela Funeso/PE.

²Ana Lúcia Marçal da Silva Paduello é conselheira nacional de Saúde representante da Mesa Diretora do CNS pela Superando o Lúpus. Formou-se  em Pedagogia com pós em Psicopedagogia. Atualmente segue como presidente do Grupo de Apoio ao Paciente Reumático Brasil e do Grupo EncontrAR. Diretora administrativa da Biored Brasil.

³Altamira Simões dos Santos Souza é psicóloga, conselheira nacional de saúde, representante da Rede Lai Lai Apejo e coordenadora da Comissão Intersetorial de Políticas de Promoção da Equidade (Cippe) do CNS

Referências

Fonte: SUS Conecta.

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