Fiocruz defende inclusão de cannabis medicinal no SUS; veja o que diz a instituição

Em nota técnica divulgada na quarta-feira 19/04, fundação elenca doenças para as quais há evidências robustas sobre os benefícios do canabidiol (CBD) e do tetrahidrocanabinol (THC)

O Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou na última quarta-feira (19/04), uma nota técnica em que aborda as evidências científicas mais robustas sobre os benefícios da cannabis medicinal e defende uma eventual inclusão dos medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo comunicado de divulgação do documento, o objetivo da nota é “oferecer subsídios técnicos para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos no Brasil”.

Em relação ao acesso ao tratamento pela rede pública, a nota diz que “é indispensável assegurar uma regulamentação abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e o acesso gratuito e universal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a uma ampla gama de formas farmacêuticas da cannabis e derivados, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia terapêutica”.

Como mostrou reportagem do GLOBO, a demanda pela terapia entre os brasileiros saltou 9.311% desde que a importação de produtos de cannabis medicinal passou a ser autorizada no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2015. No ano passado, foram 79.995 novos pacientes autorizados em 2022, quase o dobro do ano anterior, quando foram 40.070 liberações.

No entanto, o total ainda é baixo em relação ao número de doenças que podem ter os sintomas aliviados por meio do tratamento. Além disso, envolve altos preços, burocracias e prazos de entrega por serem trazidos do exterior.

A agência até permite que algumas dezenas de fármacos sejam comercializados por drogarias no Brasil, porém a ainda baixa demanda, junto a um desconhecimento dos profissionais para prescrever a cannabis medicinal, faz com que sejam poucas e caras as ofertas dos produtos com CBD e THC em farmácias brasileiras.

“É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento. Além disso, é necessário avançar na regulação dos produtos à base de cannabis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura e eficaz”, defende a nota técnica.

O que é a cannabis medicinal?

A cannabis medicinal é um termo que se refere aos medicamentos feitos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), duas das cerca de 500 substâncias da planta Cannabis sativa (canabinoides) – mesma utilizada para a produção da droga, ilegal no Brasil.

Porém, embora o THC de fato seja responsável pelo efeito psicoativo, isso ocorre apenas em quantidades superiores às autorizadas pela Anvisa, que estabelece um teor máximo de 0,2%. Ele apenas é permitido em uma concentração maior apenas em casos específicos de cuidados paliativos de pacientes sem alternativas terapêuticas e em situações clínicas irreversíveis ou terminais.

São muitos os relatos pessoais sobre experiências positivas com cannabis medicinal, para as mais variadas doenças, que têm repercutido nos últimos anos, porém a Fiocruz destaca na nota quais são os diagnósticos para os quais os estudos clínicos realizados até agora de fato apontaram benefícios consistentes em aliviar os sintomas. Até então, nenhuma doença pode ser curada pelos fármacos.

Para quais doenças a cannabis medicinal é indicada?

“As pesquisas com maior nível de evidência – ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises – são conclusivas ou substanciais para algumas condições de saúde quanto a segurança e eficácia dos canabinoides na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde”, cita a nota. As condições listadas são:

  • Dor crônica – “Diferentes formulações contendo canabinoides apresentam uma redução significativa da dor em pessoas diagnosticadas com certos tipos de dor crônica. Dezenas de ensaios clínicos randomizados submetidos a meta-análises mostraram que a redução da dor foi maior no grupo que recebeu canabinoides em relação ao grupo controle”.
  • Epilepsia refratária (resistente aos métodos tradicionais) – “Estudo de meta-análise com seis ensaios clínicos randomizados demonstrou diminuição significativa nas frequências de crises no grupo tratado com canabinoides em relação ao grupo controle. Em geral, os participantes eram resistentes aos medicamentos de referência e encontraram nos canabinoides um tratamento eficaz para atenuar as crises convulsivas”.
  • Espasticidade da esclerose múltipla – “Mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados mostraram efeito significativo do tratamento com canabinoides na redução da espasticidade [aumento involuntário da contração muscular] decorrente de esclerose múltipla. Outros sintomas associados à esclerose múltipla não apresentaram melhora com o tratamento em teste”.
  • Náusea, vômitos e perda do apetite – “Os canabinoides foram eficazes na redução de náuseas e vômitos ligados à quimioterapia. Limitações metodológicas fazem os resultados ainda apresentarem baixo nível de confiança. Uma meta-análise mostrou a eficácia dos canabinoides em aumentar o apetite em comparação aos grupos controle”.
  • Transtornos neuropsiquiátricos – “Como a doença de Parkinson e distúrbios do sono – mostraram melhora significativa dos sintomas, com o tratamento com canabinoides em relação ao controle com um nível de evidência satisfatório”.

Além destes, o documento destaca que há outras dezenas de doenças para as quais a cannabis medicinal vem sendo estudada, mas que ainda não têm resultados conclusivos. Algumas delas são o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a esclerose lateral amiotrófica, artrite reumatoide, demência, como o Alzheimer, entre outras.

O Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz, responsável pela nota, foi criado neste ano a partir da reformulação do antigo Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas (PACD), que funcionava desde 2014.

Fonte: O Globo/ NK Consultores.

 

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