A VII Jornada de Direito à Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que acontece em Brasília nos dias 24 e 25 de abril, tornou-se palco de intensa mobilização de associações de pacientes com doenças raras e graves. Em nota pública divulgada na véspera do evento, organizações como a Associação dos Familiares, Amigos e Pessoas com Doenças Graves, Raras e Deficiências (AFAG) e a BIORED Brasil manifestaram “profunda preocupação” com as propostas de enunciados que serão votadas pelo FONAJUS (Fórum Nacional da Saúde). Os enunciados são entendimentos que podem ser usados como base para decisões judiciais e que são votados nas Jornadas de Direito da Saúde.
Segundo análise técnica realizada pelas entidades, das 49 propostas em discussão, 28 são consideradas desfavoráveis aos pacientes, sendo 18 delas classificadas como “muito prejudiciais”. Os especialistas apontam que as propostas, que teoricamente deveriam assegurar o acesso universal à saúde, estão sendo utilizadas para criar obstáculos processuais e burocráticos aos pacientes.
Entre os principais problemas identificados está a exigência excessiva de documentação técnica já na petição inicial, como prontuários médicos completos e evidências científicas de alto nível, algo que muitos pacientes vulneráveis não conseguem obter.
Outra preocupação refere-se à proposta que cria uma hipótese de nulidade processual quando uma decisão judicial não for precedida de parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS). Na visão das entidades signatárias do documento, “isso transfere o poder decisório do juiz para um órgão técnico, o que não tem respaldo legal e pode atrasar decisões urgentes”.
Para pacientes que dependem de medicamentos sem registro na ANVISA, como é comum em casos de doenças raras, a situação se torna ainda mais crítica. A proposta de revisão do Enunciado 6 impõe requisitos tão severos que contradizem o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. “Na prática, isso inviabiliza o acesso a tratamentos inovadores para doenças raras”, afirma o texto da nota.
A mobilização das associações de pacientes inclui um chamado à ação dirigido à magistratura, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Congresso Nacional para que se posicionem contra as propostas que, segundo eles, “desrespeitam a autonomia médica e a dignidade dos pacientes”. As entidades pedem a rejeição das 18 propostas consideradas muito prejudiciais e a inclusão de 14 propostas favoráveis que foram suprimidas durante o processo de consolidação.
A votação das propostas está prevista para ocorrer hoje, no encerramento da Jornada, e o resultado definirá os novos parâmetros que orientarão juízes de todo o país em processos relacionados à saúde.
Com quase 870 mil ações judiciais pendentes de julgamento envolvendo saúde — das quais mais de 518 mil dizem respeito ao SUS e mais de 365 mil à saúde suplementar —, o Brasil enfrenta uma verdadeira epidemia de litigância no setor. Só em 2024, foram mais de 663 mil novos processos, um salto de 16,8% em relação a 2023. E a tendência de alta continua: nos dois primeiros meses de 2025, houve aumento de 18,7% nas demandas contra planos de saúde.
Durante a abertura da VII Jornada de Direito da Saúde, o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, classificou o fenômeno como um dos maiores desafios do Judiciário, apontando para a falência de instâncias administrativas que deveriam resolver essas questões sem recorrer aos tribunais. “Vivemos uma epidemia de litigiosidade da saúde”, afirmou, ressaltando que o STF tem buscado respostas estruturais e técnicas, como os enunciados e os pareceres dos NatJus, para lidar com o volume e a complexidade crescente dessas ações.
Fonte: Academia de Pacientes.
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