Cenário atual da utilização de medicamentos de origem biológica no SUS

Medicamentos biológicos no SUS: especialistas discutem o cenário no Brasil 

O desafio do uso de medicamentos biológicos para tratamento das doenças reumatológicas, dermatológicas e oncológicas foi destaque no primeiro dia do BioSummit Brasil, realizado entre 29 e 30 de novembro. O webinário apresentou aos pacientes, profissionais de saúde e toda a sociedade civil, informações sobre as terapias imunobiológicas e os mais diversos desafios do sistema de saúde pública e privada de acesso a estes medicamentos, que representam uma grande inovação no tratamento de doenças crônicas e imunomediadas.

Os medicamentos biológicos revolucionaram a medicina e trouxeram mais qualidade de vida aos pacientes proporcionando melhor manejo de diversas doenças imunomediadas como as reumatológicas, entre elas a artrite reumatoide, as dermatológicas com destaque para a psoríase e na oncologia com a imunoterapia que ajuda a combater o câncer.  

Contudo, o assunto é complexo: não só pelo alto custo envolvido na produção destes medicamentos, mas também pela própria utilização e acompanhamento de pacientes. Além disso, com a entrada de medicamentos biossimilares agregou-se outro ponto importante: como deve ser feita a troca entre medicamentos originadores e biossimilares? É seguro realizar múltiplas trocas, a tal da intercambialidade? Há risco de perda de eficácia? 

Essas questões ainda não possuem respostas conclusivas, já que o assunto ainda é novo e diversos estudos estão em andamento. O que torna um pouco mais dramático o cenário é o fato de ainda não haver uma regulação sobre a intercambialidade, como já acontece, por exemplo, nos Estados Unidos. Confira abaixo os principais destaques dessa discussão! 

O que sabemos sobre biológicos e biossimilares

“Leva até cerca de 10 anos até que se consiga chegar a um medicamento para ser comercializado com um investimento que pode chegar facilmente a US$1,5bi”, conta Fabiana Pompeo de Pina, coordenadora da Comissão de Biotecnologia da Sociedade Brasileira de Reumatologia.  Tudo isso resulta em um medicamento de alto custo. 

Após a expiração das patentes dos medicamentos originadores, inicia-se o desenvolvimento de medicamentos biossimilares. Como estes partem de uma molécula já conhecida, abrevia-se bastante o tempo de desenvolvimento do medicamento. Com isso, tem-se a redução de custos na produção do biossimilar, o que reflete também no preço final. 

Contudo, o biossimilar tem de provar segurança e eficácia em relação ao medicamento originador. Por isso, gasta-se mais tempo trabalhando em estudos de comparabilidade do que na produção em si do medicamento. 

Riscos das múltiplas trocas de medicamentos

O biossimilar traz mais oportunidades para o tratamento de diversas doenças, possivelmente ampliando o acesso e garantindo uma maior economia nas despesas do SUS. Contudo, as múltiplas trocas entre medicamentos originadores e biossimilares devem ser feitas com cautela. 

Diferentemente de um medicamento sintético, que compramos nas farmácias, não é possível produzir uma cópia exata de um medicamento biológico. Isso se deve à estrutura complexa desse tipo de medicamento, e de serem produzidos em organismos vivos e  altamente dependentes do processo de fabricação. Sendo assim, pacientes podem apresentar diferentes respostas aos medicamentos biossimilares.

As múltiplas trocas de medicamentos biológicos e biossimilares podem trazer riscos, tais como a dificuldade de avaliar a perda de eficácia e efeitos colaterais. Com a ausência de estudos sobre essas múltiplas trocas, fica difícil saber qual das medicações causou o efeito adverso e se a falta de resposta ao tratamento está relacionada à troca ou à classe do medicamento utilizado. 

O que dizem a ANVISA e o Ministério da Saúde 

Os biossimilares são registrados no Brasil pela Anvisa e precisam provar que não existem diferenças significativas em qualidade, eficácia e segurança em relação ao originador. Tudo isso deve ser embasado com evidência científica, por meio de dados pré-clínicos e clínicos. 

Já a intercambialidade, que é a troca entre medicamentos biológicos e biossimilares, não é entendida pela Anvisa como um requerimento regulatório. “A ANVISA entende que isso está mais relacionado ao médico e ao Ministério da Saúde, do que uma necessidade regulatória para o órgão”, explica a médica. 

O Ministério da Saúde entende que, havendo comprovação da eficácia, o biossimilar é uma alternativa eficaz ao medicamento originador. Na prática, a intercambialidade já é realizada de forma automática pelo SUS em diversos tratamentos. 

Com isso, abre-se espaço para diversos questionamentos que há alguns anos seguem em pauta da Biored Brasil, da classe médica e dos associações de pacientes. Como fica, então, o cenário de troca desses medicamentos? 

“As trocas não podem ocorrer de forma simplista”

Na opinião da especialista, a intercambialidade deve ser feita de forma transparente e com regras e definições claras. “Não é recomendável fazer a troca do medicamento sem que o paciente esteja estável no controle da sua doença, além disso deve ser uma decisão compartilhada, onde médico e paciente estejam cientes disso. As trocas não podem ocorrer de forma simplista”, destaca Fabiana. 

Ainda não há um consenso por parte da Sociedade Brasileira de Reumatologia, mas a entidade já se posiciona com algumas recomendações, entre elas que o médico tenha ciência da troca do medicamento com um espaço de comunicação aberto caso o profissional discorde da conduta e as múltiplas trocas não são recomendadas. “Deve-se garantir a manutenção de um único medicamento biossimilar por pelo menos um ano, de acordo com estudos científicos”, reforça a representante da SBR. 

Farmacoeconomia: o uso dos biológicos é criterioso 

Na dermatologia, o advento dos biológicos trouxe esperança, principalmente, para os pacientes com psoríase e hidradenite supurativa. “Pacientes com psoríase grave tem expectativa de vida menor do que a população em geral, com seis vezes mais chances de comprometimento de grandes vasos. Além disso, em relação aos eventos adversos no tratamento, é comum haver comprometimento hepático”, conta Wagner Galvão, dermatologista membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Uma das principais discussões na área é sobre a farmacoeconomia. Havia receio que o medicamento biológico pudesse ser amplamente utilizado, aumentando os custos consideravelmente no SUS. “A prevalência da psoríase no Brasil é de 1,31%, mas apenas 0,04% dos pacientes vão precisar do tratamento com biológico. Ou seja, o uso é criterioso e bem selecionado”, destaca o especialista. 

Intercambialidade já é regulada nos Estados Unidos e na Europa

A questão da intercambialidade é bem avançada tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia. “O FDA (órgão regulatório de medicamentos) entende que o medicamento biológico pode ser substituído pelo biossimilar, sem a intervenção do profissional de saúde que prescreveu o produto”, explica Elaine Lazzaroni, farmacêutica do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e presidente da SOBRAFO. 

Contudo, a entidade exige estudos de intercambialidade, que comprovem que essas múltiplas trocas são seguras para o paciente. O mesmo determina a HMA, agência regulatória europeia.  Na área da Oncologia no sistema público de saúde, a substituição automática de medicamentos já é realidade. “Em um ano e meio, os pacientes do INCA utilizaram 4 biossimilares de marcas diferentes”, destaca a farmacêutica. “O uso de biossimilares permitiu também uma economia de R$ 5 milhões ao longo do ano.”

Para assistir na íntegra às discussões, clique no link dos vídeos disponíveis no Youtube da Biored Brasil:

Sobre a Biored Brasil 

A Biored Brasil é um movimento social, com representação no Conselho Nacional de Saúde, e conta com uma rede formada por 42 instituições presentes em 9 Unidades Federativas Brasileiras (DF, CE, ES, MG, PR, RJ, RS, SC e SP). BioSummit Brasil 2022, será realizado de forma híbrida e contará com a participação presencial dos líderes de associações de pacientes que compõem a Biored Brasil.

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