Os 100 primeiros dias do governo Lula

Na saúde, o programa Mais Médicos foi relançado e a maioria das 10 medidas prioritárias para o setor já teve apresentação de planos

Os primeiros 100 dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram completados na última segunda-feira (10). O período apresentou dificuldades ao governo para estabelecer uma agenda positiva. Assim, em pouco mais de três meses, a principal realização de Lula é a retomada de programas antigos, como Bolsa Família, Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida.

Esses 100 dias também foram marcados por discursos voltados aos eleitores de esquerda, diferentemente do objetivo de pacificação apresentado logo após eleição. Polêmicas com o presidente do Banco Central e com o senador Sergio Moro, inclusive, fizeram com que aliados pedissem para o presidente maneirar o tom.

Agora, Lula promete um plano de infraestrutura e o envio do novo arcabouço fiscal ao Congresso. Também está no radar uma mudança na comunicação, de forma que os cidadãos saibam o que o governo está fazendo. O objetivo é que, assim, o governo consiga aumentar a popularidade. A seguir, considerações sobre os 100 dias do terceiro mandato de Lula.

Retorno e criações de programas

O Planalto não conseguiu apresentar novos programas em três meses e meio. Lula investiu no retorno de programas: Bolsa Família (transferência de renda); Minha Casa, Minha Vida (habitação); Mais Médicos (saúde); Pronasci (segurança pública); e Programa de Aquisição de Alimentos (agricultura familiar). Reaparecerão o Farmácia Popular (medicamentos) e o Água para Todos (saneamento), além do prometido reajuste do salário-mínimo, que ficou para maio.

O retorno das ações recebeu elogios, porém o governo não supera a sensação de mais do mesmo. Por isso, Lula
pressiona seus ministros para tirar do papel ao menos dois programas: o Desenrola e o ‘novo PAC’. O primeiro renegociará dívidas. O segundo será a releitura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dividido em seis eixos: transportes; infraestrutura social; inclusão digital; infraestrutura urbana; água para todos; e transição energética. O governo busca um nome para o ‘novo PAC’, que contemplará investimentos da União, concessões e parcerias público-privadas.

Base aliada

No quarto mês de mandato, não se tem noção do tamanho da base de Lula no Congresso e se o governo terá força para aprovar a nova regra fiscal e a Reforma Tributária. O impasse entre Câmara e Senado pelo rito de análise das medidas provisórias retardou a atividade parlamentar. O Planalto não enfrentou votações importantes, porém, perdeu meses preciosos do primeiro semestre.

A base de Lula será mostrada quando o governo tentar aprovar as MPs editadas pelo presidente. O resultado indicará os partidos fiéis e o nível de dependência em relação aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O resultado poderá apontar, também, a necessidade de Lula realizar sua primeira reforma ministerial.

Arcabouço fiscal e Reforma Tributária

Lula promete enviar nesta semana ao Congresso o projeto da nova regra das contas públicas, o chamado arcabouço fiscal. O texto é uma proposta para substituir o teto de gastos, norma em vigor desde o governo de Michel Temer, que limita a elevação das despesas do governo ao crescimento da inflação. O novo projeto permite que as despesas cresçam acima da inflação e estabelece regras para voltar a ter superávit.

A confecção do novo marco fiscal foi um primeiro teste de resistência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele enfrentou a contrariedade pública da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que considera o texto do arcabouço pró-mercado. Lula decidiu a favor de Haddad, ciente das dificuldades que um texto de expansão de gastos teria para passar pelo Congresso. A agilidade na tramitação do arcabouço fiscal servirá de termômetro para outras propostas do atual governo.

Taxa de juros

Lula trava embate público com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por causa da taxa básica de juros, a Selic, que segue em 13,75%. O petista argumenta que tal patamar encarece demais o crédito e emperra o crescimento do país – o mercado prevê alta do PIB inferior a 1%. O BC, que é autônomo e cujo presidente tem mandato até 2024, utiliza a Selic para tentar controlar a inflação.

Lula critica todas as semanas Campos Neto, indicado por Bolsonaro para o cargo e colaborador da campanha do ex-presidente. O BC, por sua vez, aponta que não há sinais concretos de que o governo equilibrará as contas públicas. A próxima reunião para discutir a Selic está marcada para maio.

Discurso à esquerda

Três meses e meio após a posse de Lula, o país segue longe da pacificação. Lula dedica energia para criticar o ex-presidente Jair Bolsonaro, na velha estratégia da ‘herança maldita’. Apesar de apelos de aliados, Lula não modera o tom. Insiste nas disputas entre mais ricos e mais pobres, se refere constantemente a Bolsonaro e cria polêmicas.

O presidente recolocou Sérgio Moro nos holofotes. Primeiro falou que no passado desejava ‘foder’ com o ex-juiz e, na sequência, sem provas, disse que via ‘armação’ na operação da Polícia Federal que prendeu uma quadrilha que planejou atentado contra o senador. Moro reapareceu na imprensa, voltando a ser apontado como eventual candidato ao Planalto.

8 de janeiro e militares

Lula estabilizou a relação com as Forças Armadas, apesar das desconfianças mútuas. O petista assumiu em condições adversas após derrotar Bolsonaro, que vinculou sua imagem à dos militares. Quase metade dos eleitores rejeitou Lula que, na primeira semana de governo, enfrentou a invasão das sedes
dos Três Poderes.

A colaboração de militares com a depredação azedou a relação com o general Júlio César Arruda, comandante do Exército. O presidente demitiu Arruda e nomeou para o lugar o general Tomás Paiva. Agora, o governo acena com recursos para equipamentos, enquanto prepara o envio ao Congresso de uma proposta de emenda à Constituição para que somente militares da reserva possam disputar eleições.

Política externa

Com a viagem à China, Lula visitou os três principais parceiros comerciais do Brasil (Argentina, EUA e China) no começo de mandato, na estratégia de recolocar o país nos debates internacionais. A visita à China teve mais resultados efetivos do que a ida aos EUA, já que o governo de Pequim deve emprestar R$ 6,5 bilhões ao BNDES nos próximos anos.

Por outro lado, a presença na China também teve declarações do presidente que provocaram novas polêmicas. O questionamento do dólar como moeda do comércio internacional e a afirmação que Ucrânia e Estados Unidos são responsáveis pelo prolongamento da guerra não foram bem recebidos internacionalmente.

Bolsonaro de volta

Jair Bolsonaro retornou ao Brasil após três meses de autoexílio nos EUA. O ex-presidente, que continua sendo o principal nome da direita, regressou em momento delicado, desgastado pela repercussão das joias árabes, parte apreendida pela Receita Federal e parte incorporada ao acervo pessoal de Bolsonaro.

O futuro do ex-presidente estará em jogo nos próximos meses com o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) de uma ação que pode torná-lo inelegível por oito anos. O PDT questionou no TSE a conduta de Bolsonaro em uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, na qual o então presidente desacreditou as urnas eletrônicas. O Ministério Público Eleitoral (MPE) defendeu a condenação de Bolsonaro. Caso condenado, ele poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

100 dias na saúde

A gestão da saúde começou com a revogação de portarias do governo anterior, como a que sugeria o uso de cloroquina no tratamento da Covid. A transição havia apresentado 10 medidas prioritárias para o setor 100 primeiros dias. A maioria já teve apresentação de planos, carecem ainda de maior detalhamento. A ideia de fortalecer o complexo industrial da saúde, por exemplo, teve o grupo de trabalho recriado recentemente, devendo ter muita discussão antes de ações práticas. O próprio Mais Médicos, relançado pelo Ministério da Saúde por Medida Provisória, poderá sofrer alterações ao longo da tramitação no Congresso Nacional. Até o momento, de concreto houve o lançamento da campanha de imunização, buscando aumentar os percentuais de vacinação, e ao anúncio de recursos para reduzir as filas na atenção especializada.

Fonte: NK Consultores. 

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