Quais os desafios atuais e futuros do uso de medicamentos?

Doutor em Biotecnologia destaca os avanços da Farmacologia e os desafios atuais no acesso a medicamentos de qualidade

Mesmo com o notável crescimento da indústria farmacêutica nos últimos anos, ainda há uma série de desafios relacionados ao uso de medicamentos e ao cenário da polifarmácia de forma geral. São questionamentos que abrangem desde o sistema de saúde até a necessidade de abordagens mais eficazes para garantir tratamentos seguros para os pacientes.

E foi justamente este o tema debatido durante o BioSummit Brasil 2023, que ocorreu no dia 16 de novembro. Mediada pelo professor Dr. Gustavo Alves, farmacêutico bioquímico hospitalar, doutor em Biotecnologia e representante do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, a palestra abordou temas como o impacto da indústria farmacêutica e os desafios atuais e futuros para a saúde global.

Crescimento da indústria farmacêutica

Graças ao crescimento da economia mundial e da globalização acelerada, a indústria farmacêutica tem se destacado como uma das maiores do mundo, ocupando posições de destaque significativo entre os principais bens de consumo. Uma realidade que, segundo o professor Gustavo Alves, vem com uma estimativa alarmante: “em 2050, os gastos com medicamentos para demência podem superar ou igualar o PIB brasileiro”.

Nesse contexto, a preocupação em torno do uso racional de medicamentos tem se tornado cada vez mais necessário. Nos Estados Unidos, por exemplo, a crise dos opióides criou uma estimativa em que aproximadamente 110 mil americanos morreram por overdose de medicamentos, em 2022.

Essa situação emergencial se desenvolveu a partir dos anos 1990, quando também se iniciou a adoção de novos protocolos e práticas clínicas relacionadas ao uso de opióides, tornando-se uma verdadeira emergência sanitária.

Contexto socioeconômico no acesso a medicamentos

O recorte social e econômico se faz necessário quando se trata do uso racional de medicamentos. Quando se pensa em acesso a medicamentos, existe uma grande lacuna no que diz respeito a países mais pobres e com menos recursos.

Ao trazer à tona esta questão, Gustavo Alves menciona dados das campanhas de vacinação contra a COVID-19 nos últimos anos. “O The New York Times mostra que a quantidade de pessoas vacinadas ao longo de toda a pandemia foi por volta de 70%, mas na maioria do continente africano, por exemplo, o total de pessoas vacinadas não chegou a 35%”.

Além disso, o profissional destacou que existe também uma questão ligada aos interesses dos países mais desenvolvidos, que possuem 90% das pesquisas em fármacos da atualidade. As doenças subnotificadas na América do Sul, não são alvo de pesquisa de grandes laboratórios. “Eles não têm a dor da malária, da dengue, da chikungunya, logo não estão preocupados em pesquisar doenças que emergem lá”, conta Alves. 

O medicamento como um bem de consumo e o seu uso racional

Ao longo dos anos, o uso de medicamentos tem se moldado às possibilidades e necessidades de cada período: Desde a manipulação de medicamentos em boticas no século XIX, passando pela descoberta da penicilina e sua produção em escala industrial até começarmos a discutir a segurança do medicamento na conjuntura atual. 

São séculos de pesquisas e mudanças no mercado da Farmacologia que “por um lado, trouxe a resolução de inúmeras doenças e melhoria na expectativa de vida” como aponta o Dr. Gustavo Alves, “por outro, começamos a nos preocupar com auto-medicação, reação adversa, toxicidade e adesão ao tratamento”. 

Dados apresentados durante a palestra revelam que 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente. Além disso, 75% das prescrições de antibióticos são consideradas errôneas, e apenas metade dos pacientes tomam corretamente seus medicamentos.

O professor ressaltou a importância de conscientizar os usuários sobre a correta administração dos medicamentos, mas destacou uma dicotomia na qual “o usuário que toma o medicamento de forma errada”, mas ao mesmo tempo “não são obrigados a terem conhecimento de farmacologia”, eles precisam ser orientados para tal. 

Desafios associados à polifarmácia

A polifarmácia consiste na prescrição de cinco ou mais medicamentos para um mesmo paciente. O que traz à tona diferentes formas de abordagens, já que pacientes com condições de saúde complexas, muitas vezes, vão necessitar de mais medicamentos. “Não se pode dizer que polifarmácia é necessariamente uma falha e que consiste em um risco para o paciente”, aponta o Dr. Gustavo. 

Pelo contrário: a polifarmácia atua justamente de forma qualitativa e em benefício ao paciente. Ela acontece quando a prescrição diz respeito a condições complexas ou com múltiplas condições para que ocorra de forma otimizada. Além do mais, as escolhas dos medicamentos são feitas através da melhor evidência científica. Tudo, é claro, em comum acordo com o paciente.

No entanto, conforme apontado pelo especialista, existem uma série de questões quanto a essa prática que podem não ser positivas para o tratamento: “A prescrição de múltiplos medicamentos é feita de uma forma inapropriada ou o benefício pretendido daquele medicamento não é atingido”, destaca. 

Os desafios atuais da polifarmácia envolvem uma abordagem abrangente e colaborativa que inclua diferentes setores da indústria: desde o governo até os profissionais de saúde. As propostas para se superarem estes desafios incluem a criação de políticas farmacêuticas adequadas, o compromisso dos produtores/distribuidores de medicamentos com a qualidade, a melhoria na formação profissional nas universidades e o papel fundamental dos profissionais de saúde na promoção do uso racional de medicamentos.

Essa abordagem geral deve ser um compromisso de todos, principalmente no que diz respeito ao uso responsável dos medicamentos à segurança e eficácia do tratamento.

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