Ausência de centro de infusão no SUS coloca em risco tratamentos de doenças crônicas autoimunes e raras

Especialistas discutem a importância destes espaços na eficácia de tratamentos com imunobiológicos

A década de 1980 foi uma divisora de águas para a medicina: foram durante estes anos que ocorreu a introdução dos medicamentos biológicos, representando uma mudança significativa no tratamento de doenças crônicas. Produzidos a partir de células vivas, estes medicamentos têm sido cruciais para pacientes com condições como doenças inflamatórias intestinais, psoríase, artrite reumatoide, entre diversas outras enfermidades autoimunes. 

Contudo, a eficácia desses tratamentos está intrinsecamente ligada ao acesso adequado e à administração correta. E foi nessa esteira que representantes de diversas Associações de Saúde se uniram para defender e debater a importância dos Centros de Terapia Assistida (CTA) durante o BioSummit Brasil 2023, ocorrido em 16 de novembro.

Medicamentos Biológicos: uma revolução terapêutica

Os medicamentos biológicos emergiram como uma revolução no tratamento de doenças crônicas. Diferentemente dos medicamentos sintéticos, essas terapias são produzidas a partir de células vivas, tornando impossível a replicação exata. 

Exemplo disto são os biossimilares, variantes dessas moléculas, que são comumente administrados via endovenosa ou subcutânea, o que dificulta a auto aplicação por parte do paciente. “Não é um medicamento que o paciente vai conseguir simplesmente levar para casa e tomar”, explica a Dra. Maria Luiza Queiroz, representante do Grupo de Estudo de Doenças Inflamatórias Intestinais, “ele vai precisar de no mínimo uma orientação”. 

Por outro lado, as doenças inflamatórias intestinais, caracterizadas por surtos de remissão e exacerbação, estão entre as condições crônicas que se beneficiam significativamente da terapia biológica. A necessidade de tratamento especializado é crucial, especialmente considerando a ascensão dessas doenças ao longo dos anos.

Os desafios para tornar acessíveis os Centros de Terapia Assistida

Os Centros de Terapia Assistida (CTA) desempenham um papel essencial na jornada do paciente, oferecendo suporte necessário à aplicação desses medicamentos. Com uma equipe multidisciplinar, esses centros garantem a correta preparação, aplicação, transporte e armazenamento dos medicamentos. Além disso, fornecem orientações cruciais, assegurando que o paciente compreenda e execute o tratamento de forma eficaz.

Dada essa importância, o acesso aos CTAs pelo Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta grandes desafios, como problematiza o Dr. Vander Fernandes, representante da Sociedade Brasileira de Reumatologia: “Apesar de existir um protocolo e a regra ser a mesma, o acesso nos Estados e Municípios não é a mesma por uma série de fatores”, destaca o especialista, “desde a capacitação de profissionais que atendem nas Unidades de Dispensação a uma série de outros problemas que acontecem pela falta de assistência”. 

Segundo dados extraídos de levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Reumatologia, trazidos à discussão pelo Dr. Vander, no Brasil existem 65 CTAs dos quais apenas 51 fazem atendimentos pelo SUS, mas apenas 11 tem contrato com algum ente público (Município, Estado ou Governo Federal). 

Esses dados revelam um desafio para o financiamento do CTA dentro do SUS, que muitas vezes tem o medicamento incorporado, mas o mesmo não vem com o serviço de saúde tão essencial para o tratamento, como destaca o Dr. Salmo Raskin, médico geneticista representante da Sociedade Brasileira de Genética Médica, “existem terapias que já são aprovadas e não existe acesso mesmo elas já sendo incorporadas, muitas até de baixo custo”. 

O ponto de vista do paciente foi devidamente considerado: Alessandra Souza, que além de farmacêutica também enfrenta o desafio de depender de medicamentos biossimilares, ressaltou um equívoco comum de alguns pacientes que recebem o medicamento e acreditam que a questão já está resolvida ali. Na realidade, o verdadeiro desafio está apenas começando: “É crucial que o paciente compreenda como armazenar, transportar e utilizar o medicamento sem a devida assistência”, enfatiza ela. Considerando o cenário de vida real, a coordenadora institucional da Biored Brasil, apresentou os dados da pesquisa onde 40% dos pacientes em uso de medicamentos infusionais fornecidos pelas farmácias de alto custo enfrentam dificuldades para realizar a aplicação. 

Além disso, outras barreiras impactam diretamente o tratamento de pacientes com doenças crônicas: marcação de consultas, acesso a medicamentos de alto custo e falta de estrutura adequada. “Não é culpa do paciente não saber como armazenar um medicamento biológico” explica a Dra. Maria Luiza, “ele tem que ser orientado de uma forma adequada e isso pode ser feito no CTA”. 

Propostas para o futuro

A falta de CTAs adequados é evidente, especialmente ao considerar a expansão de terapias biológicas. Para garantir a eficácia desses tratamentos, é fundamental que o acesso a medicamentos esteja intrinsecamente ligado à garantia de acesso a estruturas de aplicação adequadas.

Existe, portanto, a necessidade da criação de novas PCDTs no acesso de pacientes aos CTAs, um ponto defendido por Regina Garcia Prospero, representante do Instituto Vidas Raras: “sem diretrizes não tem como se apoiar e não vai ser possível fazer um bom uso do medicamento”.

A oferta de serviços de saúde de qualidade, no final das contas, é um papel de todos os agentes da saúde, como complementa também o Dr. Wagner Galvão, representante da Sociedade Brasileira de Dermatologia: “Todos nós estamos do mesmo lado, administradores, gestores e especialistas” alerta o especialista, “todos nós temos no final da ponta um paciente e quando esse paciente sai desassistido a gente falhou como Sistema de Saúde”.

Não há dúvidas de que os medicamentos biológicos representam uma revolução no tratamento de doenças crônicas, e neste cenário, as CTAs desempenham um papel crucial. Garantir o acesso adequado a esses centros é essencial para assegurar o sucesso do tratamento e proporcionar uma melhor qualidade de vida para os pacientes com condições crônicas. O investimento em CTAs deve, portanto, ser uma prioridade, visando oferecer suporte integral e promover avanços significativos na saúde pública. Confira os vídeos das apresentações dos expositores deste painel:

Cenário de acesso a centro de infusão no SUS no ano de 2023
Perspectiva da Biored Brasil, apresentada por Priscila Torres que nos traz dados sobre o cenário atual dos pacientes com doenças imunomediadas para o acesso a centro de terapia assistida no SUS, onde 40% dos pacientes que recebem medicamentos infusionais das farmácias de alto custo enfrentam dificuldades para aplicar o medicamento fornecido no SUS.

Importância do Centro de Terapia Assistida no SUS por GEDIIB  

Perspectiva do Grupo de Estudos de Doença Inflamatória Intestinal, apresentado por Dra. Maria Luiza Queiroz

Importância do Centro de Terapia Assistida no SUS para Doenças Raras por SBGM
Perspectiva da Sociedade Brasileira de Genética Médica, apresentado por Dr Salmo Raskin.

Importância do Centro de Terapia Assistida para a Dermatologia por SBD regional SP

Perspectiva da Sociedade Brasileira de Dermatologia regional São Paulo, apresentado por Dr. Wagner Galvão.

Importância do Centro de Terapia Assistida no SUS – Sociedade Brasileira de Reumatologia

Perspectiva da Sociedade Brasileira de Reumatologia, apresentado por Dr. Vander Fernandes, coordenador da comissão de Centro de Terapia Assistida da SBR.

 

Confira a playlist com todos os vídeos do Bissummit Brasil 2023: https://www.youtube.com/playlist?list=PLOwAHv1_or89DduEMgHMPNZSzIMPK0n-_

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